Esse título sensacionalista é quase totalmente falso. Mas só quase totalmente.
Pep passa para o Romário dar o drible da vaca no Alkorta e fazer um dos gols mais lembrados do Barça, o primeiro dos 5 contra o Madrid naquele jogo. |
A história do Romário
com a Copa de 94, muita gente lembra: no final de 92, ele ficou na reserva de
Careca e Bebeto em um amistoso e reclamou. O orgulhoso Zagalo, segundo
treinador da seleção, vetou futuras convocações do Baixinho. Mas nas
eliminatórias de 1993 o Brasil jogava sem nenhum brilho, sendo que o Romário
tinha sido contratado pelo Barcelona e tava arrasando na pré-temporada.
Então, pouco antes do
jogo do Brasil contra o Uruguai, que definiria o classificado para a Copa, o
Barcelona fez seu primeiro jogo do campeonato espanhol, contra a Real Sociedad,
ganhando com três gols do Romário. Aí o Parreira, técnico da seleção, disse que
contra essa evidência não havia nada que fazer, passou por cima do Zagallo e
convocou o Romário. O Baixinho meteu dois gols no Uruguai, nós fomos à Copa e
trouxemos o tetra.
Onde entra o Guardiola
nessa história? Foi ele que deu os três passes de gol, está aqui o youtube que
não me deixa mentir: http://www.youtube.com/watch?v=wgLlvzhYqd4
(entre o 0min52s e o 1min36s; o vídeo é dos 30 gols do Romário na temporada
93-94, dez dos quais a passe direto do Guardiola). Ou seja, se o Guardiola não
colocou o Romário na Copa de 94, o deixou na porta.
Agora, o interessante é
que, como Dunga, Mazinho e Mauro Silva, o Guardiola era volante, o único de um
time que jogava só com um zagueiro e dois laterais. Ou seja, ele era o quarto
jogador mais recuado do time e, no entanto, era quem dava mais passes de gol. A
tradição recente do futebol brasileiro não pode conceber jogadores assim, pois
a principal missão do volante é terminar o jogo do adversário, não começar o
próprio, como no Barcelona de Johan Cruyff (1) em diante.
E a excepcionalidade de
seu talento se enlaçava com uma maturidade surpreendente. Em 1994, nas vésperas
da final da Copa de Europa que terminou com uma dolorosa derrota de 4 a 0 para o defensivo Milan de
Capello, ele deu uma entrevista a El País na qual mostrava uma lucidez própria
de um veterano, que não do menino de 23 anos que era. Já então ele se debatia
entre a idéia de passar toda a vida profissional no Barcelona e a de rodar o
mundo jogando bola e aprendendo, que foi o que aconteceu: com 30
anos, ele foi à Itália, onde jogou duas temporadas. Depois, outras duas no Qatar
-onde foi treinado pelo ex-santista Pepe-. Começou então a fazer o curso para
ser treinador, mas ainda deixou-se convencer pelo amigo Lilo e foi jogar mais
seis meses no México.
O técnico Cruyff, o jogador Guardiola |
Antes daquela final,
Cruyff disse que esperava que ganhasse o Barça pelo bem do futebol. Mas hoje podemos pensar que o melhor pro futebol foi o Barça ter
perdido. Guardiola, o mais novo daqueles jogadores derrotados, foi o
suficientemente frio como para não deixar que a alegria fosse amargada. Iniciou
um longo processo de aprendizagem que resultou, quinze anos depois, no mais
perfeito jogo de futebol contemporâneo. Obviamente, o Barça do Guardiola treinador não foi perfeito, mas era capaz de sempre propor um futebol criativo sem o perigo de ser completamente desarticulado. Foi uma síntese do futebol
ofensivo e do futebol defensivo, com a primazia clara do primeiro. Do futebol
holandês vem a necessidade de tratar bem a bola desde a defesa. Do italiano ele
observou a retranca e tomou dela aquilo que mais valia: a arte de ocupar os
espaços, algo que os menos favorecidos fisicamente poderiam aprender (2).
Fica aqui então esta
minha homenagem a um ídolo de minha adolescência. Escrevê-la em português é uma
forma de atiçar a imaginação de nós brasileirxs, referências mundiais do
futebol arte... pela força do passado, mais que pela dos nossos princípios. O
meio campo é a alma de um time, mas nós o povoamos de volantes e passamos a
viver da velocidade dos laterais e da capacidade resolutiva dos atacantes. A dificuldade desse sistema para gerar meio-campista do nível dos que tivemos outrora ficou pateticamente patente quando o Barça ganhou do Santos por quatro a zero na final do Mundial de Clubes e o meio-campista de maior projeção do país, o Ganso, disse que sequer se imagina jogando no Barcelona, dada a superioridade dos seus homólogos catalães. Não
em vão o nosso último grande time, o São Paulo do Telê (3), já tem mais de
vinte anos. Tá passando da hora de que surja uma nova geração de treinadores brasileiros que refunde a ofensividade do nosso futebol.
Enfim, para que o futuro
venturoso chegue (ou que o passado glorioso regresse), é preciso sonhá-lo.
Deixemos então nossa imaginação começar a acreditar ser possível um volante
como o que aparece fazendo estas jogadas:
Grande passe do
Guardiola para o Iván que terminou em um golaço absoluto do Romário que o
indecente do bandeirinha mal anulou. Estou indignado até hoje. Alías, esse jogo do Barcelona contra o Atlético, foi o melhor
que já vi, com três gols computados pelo Romário - além de dois anulados – vale a pena ver todo o resumo: http://www.youtube.com/watch?v=JliQ2Am3qhQ
Esse vídeo é sobre a participação do Romário no 5 a 0 contra o Real Madrid, mas da para ver muito do jogo do Guardiola, inclusive o passe para o mais lembrado dos gols do Romário em Barcelona (entre o 1min05s e o 2min15s)
Dezoito passes de gols do Guardiola, compilados pelo Paradigma Guardiola, site do Matías Manna:
"Así jugaba Pep Guardiola", também compilado pelo Paradigma Guardiola, são todas as intervenções do Pep em um mesmo jogo, da para ver claramente como ele antes de receber a bola já sabia para quem passar, impressionante:
"Así jugaba Pep Guardiola", também compilado pelo Paradigma Guardiola, são todas as intervenções do Pep em um mesmo jogo, da para ver claramente como ele antes de receber a bola já sabia para quem passar, impressionante:
Terminemos, então, com o convite para que vocês visitem o site do Matías Manna:
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(1) O Cruyff, ele sim, foi o grande
responsável pelo fato de Romário ter ido à Copa de 94. O Baixinho teria ficado na
irrelevância mediática do PSV não fosse o fato do técnico holandês ter
insistido muito com a diretoria do Barcelona para trazê-lo ao time.
(2) Vejam no maravilhoso site Paradigma Guardiola -de um fã
que o segue antes dele ser treinador- algumas das reflexões do Pep que denotam
este interesse de união entre o italiano e o “espanhol” (que é o que venho
chamando nesse artigo de holandês... mas é bem verdade que a Espanha -a
Catalunha especialmente- merece hoje um lugar próprio no futebol arte): http://www.paradigmaguardiola.blogspot.mx/2006/07/guardiola-sobre-el-campen-del-mundo.html.
(3) Aliás, em 1992, o São Paulo do Telê também dominou completamente o
Barça do Cruyff e do Guardiola. Foi uma sorte para esses últimos que a final do
Mundial de Clubes terminasse só dois a um para os paulistas. Um ano depois, em
um jogo mais equilibrado, esse São Paulo ganharia também do Milan de Capello.
Momento tietagem: eu no Camp Nou para ver o Barça de Pep&Messi, no dia em que o substituo do Pep, o Xavi, se tornava o futebolista com mais jogos com o Barça. O jogo terminou dois a um, com gols do Pedrito, que o Pep levou da terceira divisão à primeira equipe.
Homenagem de uma revista francesa ao pai, ao filho e ao espírito santo: Cruyff, Guardiola & Messi. |
Guardiola quando era gandula do Barcelona, pedindo a camisa do ídolo Víctor Muñoz |
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Falso anexo:
Era Guardiola. Ano II. O Império Contra-ataca.
Esse é o título de um
textinho que ia escrever em 2009 sobre aquele 'novo' Real Madrid que gastou 300
milhões de euros comprando jogadores para contra-restar o Barça tri campeão do
ano anterior, enquanto o Barcelona continuava apostando pelos jogadores da
categoria de base. Só que nunca escrevi o texto... mas como não queria desaproveitar o título, pelo menos vou tentar fazer uma graça aqui.
Morte ao
hipercapitalismo do Madrid!
Viva a aposta
comunitária do Barça!
Grandíssimo texto. Pep era mesmo um jogador de inteligência acima da média. E, se formos reparar, desde 2010, Messi joga como "falso 9", exatamente na função que Cruyff escalava o Baixinho.
ResponderEliminarQuem é Neymar mesmo? Parabéns pelo texto e mais ainda por tê-lo disponibilizado em português. Romário gênio!
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