martes, 8 de mayo de 2012

Pep Guardiola, o jogador que pôs Romário na Copa de 94. Homenagem e reflexões.

Danilo de Assis Clímaco
Esse título sensacionalista é quase totalmente falso. Mas só quase totalmente. 
Pep passa para o Romário dar o drible
da vaca no Alkorta e fazer um dos gols
mais lembrados do Barça, o primeiro
dos 5 contra o Madrid naquele jogo.
A história do Romário com a Copa de 94, muita gente lembra: no final de 92, ele ficou na reserva de Careca e Bebeto em um amistoso e reclamou. O orgulhoso Zagalo, segundo treinador da seleção, vetou futuras convocações do Baixinho. Mas nas eliminatórias de 1993 o Brasil jogava sem nenhum brilho, sendo que o Romário tinha sido contratado pelo Barcelona e tava arrasando na pré-temporada. 

Então, pouco antes do jogo do Brasil contra o Uruguai, que definiria o classificado para a Copa, o Barcelona fez seu primeiro jogo do campeonato espanhol, contra a Real Sociedad, ganhando com três gols do Romário. Aí o Parreira, técnico da seleção, disse que contra essa evidência não havia nada que fazer, passou por cima do Zagallo e convocou o Romário. O Baixinho meteu dois gols no Uruguai, nós fomos à Copa e trouxemos o tetra.

Onde entra o Guardiola nessa história? Foi ele que deu os três passes de gol, está aqui o youtube que não me deixa mentir: http://www.youtube.com/watch?v=wgLlvzhYqd4 (entre o 0min52s e o 1min36s; o vídeo é dos 30 gols do Romário na temporada 93-94, dez dos quais a passe direto do Guardiola). Ou seja, se o Guardiola não colocou o Romário na Copa de 94, o deixou na porta. 

Agora, o interessante é que, como Dunga, Mazinho e Mauro Silva, o Guardiola era volante, o único de um time que jogava só com um zagueiro e dois laterais. Ou seja, ele era o quarto jogador mais recuado do time e, no entanto, era quem dava mais passes de gol. A tradição recente do futebol brasileiro não pode conceber jogadores assim, pois a principal missão do volante é terminar o jogo do adversário, não começar o próprio, como no Barcelona de Johan Cruyff (1) em diante.

Só assim podemos entender como, mesmo sem outra virtude defensiva que a inteligência tática, o franzino Guardiola se transformou no maior intérprete das idéias do técnico holandês, a ponto de que certa vez, quando pediram ao Cruyff que fizesse o melhor onze de todos os tempos, entre óbvios como Beckenbauer, Nilton Santos, Pelé, Maradona ou Garrincha, ele colocou o Guardiola. Vocês vão achar que isso não tem cabimento e eu não vou negar, mas temos que convir que se o Cruyff se engana, não pode ser sem uma mínima base na realidade. Guardiola era, de fato, excepcional. Ficava ali no centro do campo, pouco se movia, pois tinha duas habilidades incríveis: visão panorâmica do gramado e precisão milimétrica nos passes: tinha um olho para receber a bola e outro para ver o campo, antecipava movimentos de próprios e alheios e em um segundo repassava o couro para seu companheiro melhor colocado. Dava passes curtos e também grandes lançamentos, mas o que sempre me deixou admirado foram seus longos passes rentes ao chão que, sabe-se como, não tinha perna contrária para interceptar. Passes de dezenas de metros tão bonitos como este: http://www.youtube.com/watch?v=qCy0KjDmf3U -para um golaço do Romário- ele deve ter dado alguns milhares nos seus mais de 400 jogos como futebolista. Formidável.

E a excepcionalidade de seu talento se enlaçava com uma maturidade surpreendente. Em 1994, nas vésperas da final da Copa de Europa que terminou com uma dolorosa derrota de 4 a 0 para o defensivo Milan de Capello, ele deu uma entrevista a El País na qual mostrava uma lucidez própria de um veterano, que não do menino de 23 anos que era. Já então ele se debatia entre a idéia de passar toda a vida profissional no Barcelona e a de rodar o mundo jogando bola e aprendendo, que foi o que aconteceu: com 30 anos, ele foi à Itália, onde jogou duas temporadas. Depois, outras duas no Qatar -onde foi treinado pelo ex-santista Pepe-. Começou então a fazer o curso para ser treinador, mas ainda deixou-se convencer pelo amigo Lilo e foi jogar mais seis meses no México. 

O técnico Cruyff, o jogador Guardiola
Tenho cá pra mim que aquela derrota para o Milan foi um dos fatores imporantes pelo qual ele não se aposentou no Barça. Pep foi pra Itália para viver e aprender da antítese do futebol holandês. Não porque ele tivesse se deixado catequizar pelos vencedores, mas porque teve ciência de que a herança de Cruyff somente poderia ser assumida para ser aperfeiçoada. Um time com jogadores maravilhosos como Romário, Serge, Guardiola, Stoichkov ou Koeman não poderia ter sido completamente dominado por um time de talento muito inferior, como aquele Milan. Mas foi, como também já o tinha sido em outros momentos: a consigna do Cruyff de que os jogadores tinham que sair a campo para se divertirem se enfrentava com sérias dificuldades quando se encontrava com um time de grandes zagueiros bem organizados.

Antes daquela final, Cruyff disse que esperava que ganhasse o Barça pelo bem do futebol. Mas hoje podemos pensar que o melhor pro futebol foi o Barça ter perdido. Guardiola, o mais novo daqueles jogadores derrotados, foi o suficientemente frio como para não deixar que a alegria fosse amargada. Iniciou um longo processo de aprendizagem que resultou, quinze anos depois, no mais perfeito jogo de futebol contemporâneo. Obviamente, o Barça do Guardiola treinador não foi perfeito, mas era capaz de sempre propor um futebol criativo sem o perigo de ser completamente desarticulado. Foi uma síntese do futebol ofensivo e do futebol defensivo, com a primazia clara do primeiro. Do futebol holandês vem a necessidade de tratar bem a bola desde a defesa. Do italiano ele observou a retranca e tomou dela aquilo que mais valia: a arte de ocupar os espaços, algo que os menos favorecidos fisicamente poderiam aprender (2).

Fica aqui então esta minha homenagem a um ídolo de minha adolescência. Escrevê-la em português é uma forma de atiçar a imaginação de nós brasileirxs, referências mundiais do futebol arte... pela força do passado, mais que pela dos nossos princípios. O meio campo é a alma de um time, mas nós o povoamos de volantes e passamos a viver da velocidade dos laterais e da capacidade resolutiva dos atacantes. A dificuldade desse sistema para gerar  meio-campista do nível dos que tivemos outrora ficou pateticamente patente quando o Barça ganhou do Santos por quatro a zero na final do Mundial de Clubes e o meio-campista de maior projeção do país, o Ganso, disse que sequer se imagina jogando no Barcelona, dada a superioridade dos seus homólogos catalães. Não em vão o nosso último grande time, o São Paulo do Telê (3), já tem mais de vinte anos. Tá passando da hora de que surja uma nova geração de treinadores brasileiros que refunde a ofensividade do nosso futebol.

Enfim, para que o futuro venturoso chegue (ou que o passado glorioso regresse), é preciso sonhá-lo. Deixemos então nossa imaginação começar a acreditar ser possível um volante como o que aparece fazendo estas jogadas:


Grande passe do Guardiola para o Iván que terminou em um golaço absoluto do Romário que o indecente do bandeirinha mal anulou. Estou indignado até hoje. Alías, esse jogo do Barcelona contra o Atlético, foi o melhor que já vi, com três gols computados pelo Romário - além de dois anulados – vale a pena ver todo o resumo: http://www.youtube.com/watch?v=JliQ2Am3qhQ


Esse vídeo é sobre a participação do Romário no 5 a 0 contra o Real Madrid, mas da para ver muito do jogo do Guardiola, inclusive o passe para o mais lembrado dos gols do Romário em Barcelona  (entre o 1min05s e o 2min15s)

Dezoito passes de gols do Guardiola, compilados pelo Paradigma Guardiola, site do Matías Manna: 
 

"Así jugaba Pep Guardiola", também compilado pelo Paradigma Guardiola, são todas as intervenções do Pep em um mesmo jogo, da para ver claramente como ele antes de receber a bola já sabia para quem passar, impressionante:
 

Terminemos, então, com o convite para que vocês visitem o site do  Matías Manna:
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(1)  O Cruyff, ele sim, foi o grande responsável pelo fato de Romário ter ido à Copa de 94. O Baixinho teria ficado na irrelevância mediática do PSV não fosse o fato do técnico holandês ter insistido muito com a diretoria do Barcelona para trazê-lo ao time.

(2) Vejam no maravilhoso site Paradigma Guardiola -de um fã que o segue antes dele ser treinador- algumas das reflexões do Pep que denotam este interesse de união entre o italiano e o “espanhol” (que é o que venho chamando nesse artigo de holandês... mas é bem verdade que a Espanha -a Catalunha especialmente- merece hoje um lugar próprio no futebol arte): http://www.paradigmaguardiola.blogspot.mx/2006/07/guardiola-sobre-el-campen-del-mundo.html.

(3) Aliás, em 1992, o São Paulo do Telê também dominou completamente o Barça do Cruyff e do Guardiola. Foi uma sorte para esses últimos que a final do Mundial de Clubes terminasse só dois a um para os paulistas. Um ano depois, em um jogo mais equilibrado, esse São Paulo ganharia também do Milan de Capello.

Homenagem de uma revista francesa ao pai, ao filho e ao espírito santo: Cruyff, Guardiola & Messi.





Guardiola quando era gandula do Barcelona, pedindo a camisa do ídolo Víctor Muñoz
Momento tietagem: eu no Camp Nou para ver o Barça de Pep&Messi, no dia em que o substituo do Pep, o Xavi, se tornava o futebolista com mais jogos com o Barça. O jogo terminou dois a um, com gols do Pedrito, que o Pep levou da terceira divisão à primeira equipe.



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Falso anexo:

Era Guardiola. Ano II. O Império Contra-ataca.

Esse é o título de um textinho que ia escrever em 2009 sobre aquele 'novo' Real Madrid que gastou 300 milhões de euros comprando jogadores para contra-restar o Barça tri campeão do ano anterior, enquanto o Barcelona continuava apostando pelos jogadores da categoria de base. Só que nunca escrevi o texto... mas como não queria desaproveitar o título, pelo menos vou tentar fazer uma graça aqui.

Morte ao hipercapitalismo do Madrid!

Viva a aposta comunitária do Barça!